Colheitas

Há um assunto sobre o qual não tenho dirigido os meus registos, as colheitas. Será, por certo, por culpa da vergonha que me impede de falar daquilo que vai frutificando. Quão embaraçoso seria escrever "hoje colhi dois tomates cereja e uma curgete"? Muito embaraçoso. Não é que não me orgulhe do que vou colhendo, mas parece-me tão pouco e tão pouco significativo que o assunto teima em escapar-me entre as mãos. Não tenho uma horta assim tão grande. Na verdade, forçoso será chamar-lhe horta. Chamar-lhe hortinha mais justo seria. Trata-se de uma porção de terra servindo o crescimento de umas quantas cebolas, de umas solitárias beterrabas, que nem da sua própria espécie se alegram na companhia, uns quantos tomateiros apatetados e que constantemente perguntam "onde viemos nós parar, não seria suposto encontrarmos uma horta, um terreno digno onde florir?", uns pimenteiros que ainda nem a família contactaram porque se sentem embaraçados com o ridículo quadrado de terra que lhes calhou em sorte, umas curgetes meio perdidas e que riem constantemente do desterro a que foram condenadas, umas beringelas que reclamam da indignidade da sua condição, umas couves pencas que se sentem enganadas porque alguém lhes terá dito (e não fui eu) que habitariam uma terreno com vista para campos infinitos, uns quantos alhos franceses arrogantes que julgariam vir a ser colhidos pelas mãos de uma princesa de nome Vanessinha ou Francisquinha, dois pepineiros que nem acreditam na existência de uma horta tão pequenina e por isso psicotizaram e julgam agora habitar uma horta do Éden. Portanto, a frustração é tão grande na minha horta que pouco mais resta às plantas do que encontrarem na loucura uma forma qualquer de colmatar as falhas e as frustrações que, no fundo sentem. Ainda assim, de forma tímida e pouco contrariada, e algumas vezes por mera raiva, vão frutificando e fornecendo produtos que, juntos com extremo cuidado para que nenhum venha a arrepender-se, formam aquilo a que, à falta de melhor palavra, poderá chamar-se "colheita". Um exemplo. Ontem, colhi uma couve coração-de-boi, uma couve penca, 2 tomates cerejas, 9 pimentos padrões, umas quantas vagens de feijão, uma curgete, uma beterraba e um pepino (que recusou deixar-se fotografar). Enfim, as minhas plantas podem ser meio malucas e a horta poderá, em certo sentido, não ser bem uma horta, mas tem todo o meu cuidado e o meu carinho.

cabaz da horta


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