Ensaio sobre a inveja da horta

Devia ser estudado este leve torpor, esta breve comoção e este aperto miudinho de quem olha para a horta dos outros e pensa: "Também queria uma assim". É sério. Inveja da horta. Eu sofro desse mal. Não consigo atinar com a linha da cavadela e com o aprumo do camalhão e com a retidão das linhas terrosas e com nada. Tudo sai mais ou menos torto, mais ou menos tonto, mais ou menos trapalhão. Não há cavadela que as mãos soltem e possamos dizer: "Sim senhores, que bem cavado está este terreno!" Nada. Quem olha para o pobre esboço de horta deste ano bem poderá zangar-se com o atropelo da terra. Parece um cão ter-se espojado e escavado; melhor, parece uma, ou mais, matilhas  de cães ter-se espojado e escavado a terra, deixando este aspeto apenas encontrável num canto esquecido de Marte ou numa das crateras irregulares da Lua. Juro-vos. Não é uma horta, é um destroço. Uma loiça de refugo, uma peça de roupa desautorizada pelo controlo de qualidade, um bolo de chocolate invendível nas linhas finas de um supermercado, uma tonteria. Nasce-me a terra torta de mãos, que posso eu fazer? Invejar a horta dos outros, eis o que posso fazer. Às vezes apetece-me ir lá e rebolar-me naquelas terras de horta perfeita, desfazendo sulco a sulco aqueles altares de perfeição hortícola! Ah, fora eu cão e comandasse uma matilha! Não estragaria as plantas, nada disso, apenas a retidão das linhas, a perfeição inadmissível de uma horta esculpida como estátua da Renascença. Voltaria depois, de coração aliviado, e olharia a minha pobre horta com olhos bem mais perdulários, um outro carinho, uma raiva mais pequenina, e celebraria com ela o final da zanga. 
E agora atrevo-me a publicar um pequeno nada da horta, a imperfeição do canteiro das beringelas. De tão patusco parece bonito. Talvez seja, não sei bem.



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