O pepino branco e os outros

Estes pepinos não são da minha lavra. Como eu disse já umas 500 vezes, os pepinos da minha horta são pequeníssimos e sem graça. Já muito me queixei eu, e expliquei sempre que a culpa foi dos caracóis que atacaram os pepineiros ainda no berço. O último pepino que apanhei por lá cresceu tão enfezado que o atirei, já amarelecido (e eu amarelecido com ele do tédio), às galinhas que o avô da S. teima em criar, apesar do descontentamento da mulher.

pepino albino



Sempre que se fala nas galinhas, a senhora veste a sua cara de contrariada, franze o sobrolho, aperta ferozmente os lábios, aguça o olhar azul e diz mais ou menos isto :"Eu não quero cá mais galinhas, dão muito trabalho e nós já somos muito velhos. Além disso, eu não consigo comer galinha caseira, é muito dura para os meus dentes e para a minha barriga. Já lhe disse que aos 32 anos operaram-me à barriga e desde aí nunca mais fiquei boa? Só posso comer couve-coração, uma galinha tenrinha como as que há no Intermarché, um arroz deslavado e sem sal e sumo de maçã. Ao pequeno-almoço, bebo chá de cidreira, porque não posso beber dos outros, são muito fortes, e bolachas Maria." Mais ou menos isto. Adiante. Estes pepinos não são da minha lavra. Fotografei-os a descansar no muro da casa dos meus pais, acabados de apanhar. Anda muita vespa pela horta, diz a minha mãe, e eu comprovo, e por isso só pode apanhá-los ao entardecer. Não terá sido por culpa da hora que um dos pepinos nasceu branco, nem por culpa das vespas - o rapaz poderia ter empalidecido como uma donzela perante o perigo. Nada disso. Aquilo foi fenómeno híbrido que lhe deu. A horta dos meus pais é multi-cultural e multirracial, e isso é muito bonito.

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