Fotografar hortaliças - os pimentos amarelos e a tesourinha de podar

As duas ou três pessoas que acompanham este blog (desde que o senhor Google resolveu banir as minhas páginas para a Sibéria da Internet...) terão certamente reparado nas pavorosas fotografias que colo por aqui. A razão de ser deste estendal de fotografias mal conseguidas tem um culpado, e um culpado apenas: este que vos escreve e a sua terrível e mítica (que exagero!) falta de jeito para fotografar. Nunca me dediquei à cousa, vá. E mesmo que me tivesse dedicado, por certo o resultado seria pouco mais talentoso. Vamos a factos: não nasci com uma câmara fotográfica na mão, e suspeito que não haveria uma qualquer imagem no quarto de nascituro onde este pequenino tivesse colocado os olhinhos e pensado: "ah, que maravilha de fotografia!". 



A fotografia apareceu-me mais tarde na vida, e já a minha infância contava já alguns anos. Lembro-me perfeitamente da altura em que entrou e por que razões entrou. O meu tio, emigrante em França, descia os Pirinéus e todas as outras montanhas logo que Agosto se adivinhava e trazia na mala do carro, um Ford Taurus pintado de azul gordo e brilhante, uma daquelas maquinetas que fotografavam e fabricavam as fotografias automaticamente, uma respeitável Polaroid, em que todos mexiam com um respeito reservado apenas para as criações delicadas de Deus. Essas fotografias e essa máquina fundaram a minha relação com a fotografia: um objecto veranil, destinado a perdurar as imagens da saudade. Nada de recortes finos, nada de enquadramentos, nada de subtilezas, era segurar na máquina e disparar, "vá, mais um pouco à direita; isso, agora olha para aqui e sorri, não mexe; já está". As fotografias e as máquinas fotográficas eram e, ainda o são na minha fantasia infantil, animais distantes e raros, animais de um outro país, de uma outra dimensão para lá das montanhas. Calculo eu que nunca terei olhado para uma e pensado "deixa-me ver o que sei fazer com ela". Não; era fotografar e pronto, deixando que toda a paisagem crua e todos os detalhes aberrantes entrassem por ali sem pedir licença. Certo dia, a S. disse: "Estas fotografias não estão nada bem", e depois explicou porquê. Desde então assumi outra postura e esforço-me para fazer melhor. Quero eu dizer, eventualmente a qualidade dos resultados não terá mudado assim muito, continuam fotografias tontas e mal enquadradas, mas minhas senhoras e meus senhores, ou tais dois ou três que acompanham este blogue desde que quase todas as páginas foram banidas para a Sibéria da Internet, o esforço por trás de cada falhanço é bastante maior. "Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.", escreve Beckett em Pioravante Marche, e descreve na perfeição a minha relação com a fotografia.
Sejamos um pouco condescendentes com este que tanto falha, e que falha cada vez melhor: não é fácil fotografar hortas, hortaliças e legumes. Por razões que apenas ao seu temperamento assiste, vegetais e aparentados mexem-se muito, mexem-se tanto que nunca param, sorriem de tontices várias e falam pelos cotovelos. Como fotografar alguém ou algo assim? Artista algum, que fotografe com primor e seriedade, resiste a alegrias destas sem que sorria também e entre na conversa? Pois bem, minhas senhoras e meus senhores, os pouquíssimos que lêem este blogue, eis uma porção da razão de ser da fraca arte fotográfica deste blogue: hortaliças tontas. É tudo. Além do fraco talento, hortaliças tontas. Tontas, barulhentas, irrequietas e descomportadas. E não sabem nem adivinham o martírio que foi convencer estes dois pimentos amarelos a calarem-se e a concentrarem-se para a fotografia; um deles contava anedotas sobre malaguetas e beringelas, e tinha um repertório de se lhe tirar o chapéu, e o outro ria-se com um perdido. Felizmente, a tesoura de podar comportou-se de forma exemplar.

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